Tenho várias mulheres que ocupam cargos de direção e que comprovam as grandes capacidades de gestão, liderança e como são ecléticas no exercício das suas funções. Num mercado muitas vezes dominado por homens, tenho muito orgulho nas minhas equipas e na forma como contribuem para promover lideranças mais empáticas, solidárias, que imperam valores como a inteligência emocional e o poder de ação rápido nos momentos certos, quando assim lhes é exigido.
Mas hoje, como mote para celebração desta efeméride, convido à reflexão sobre a participação das mulheres na área das ciências e o percurso que têm feito até aos dias de hoje. Segundo o site oficial do Prémio Nobel, desde 1901 a 2023, verifica-se que apenas 65 vezes foram premiadas mulheres nas diferentes áreas[1]. Dos 224 premiados na área da Física, apenas cinco foram mulheres, sendo Marie Curie a única que recebeu um prémio Nobel duas vezes, uma em Física, no ano de 1903, e outra em Química, em 1911. Esta cientista teve um papel preponderante na desconstrução do carácter masculino que impera no campo científico e que tem predominado ao longo de séculos, estando enraizado culturalmente nas sociedades hodiernas e traduzindo-se em números díspares quando olhamos para o acesso das mulheres em carreiras de topo ligadas à área das ciências.
Marya Salomee Sklodowska (1867-1934), conhecida como Marie Curie, sempre esteve envolvida na área da educação, uma vez que o seu pai era professor de Física. A sua mãe era uma mulher visionária na época. Foi diretora de uma das melhores escolas privadas em Varsóvia. Marie, desde cedo, sempre se interessou pelos materiais de física do seu pai e sempre ambicionou em frequentar a universidade, numa altura em que tal não era permitido às mulheres. Mas é, em Paris, que dá os primeiros passos quando ingressa como a primeira mulher a fazer parte do Corpo Docente da Universidade Sorbonne e do Collège de France, em 1900.
A história desta mulher está repleta de episódios sexistas, na medida em que o seu trabalho muitos vezes foi colocado em causa pelo seu género. Quando teve a sua primeira nomeação conjunta ao prémio Nobel em 1903, com o seu marido Pierre Curie, a imprensa francesa tentou através de diversos artigos associar a sua participação neste prémio como mero apoio, ou até mesmo uma oportunista.
Estas notícias vinham corroborar a mentalidade machista da época em que a mulher apenas podia ser dona de casa, esposa e mãe, sendo considerada como incapaz de conciliar a sua vida profissional e exercer outras funções, além das que estavam moralmente definidas. Caso assim fosse, tais características eram uma transposição da feminilidade, “não era concebível que a mulher pudesse ocupar as duas posições: a de trabalhar e a de construir uma família” (Margadant,1990).
Na sua segunda nomeação para o prémio Nobel, Marie Curie, viu novamente a sua carreira e talento a serem colocados em causa por conta de um relacionamento com Paul Langevin, mesmo estando viúva há 5 anos. E no seu discurso na cerimónia de entrega do prémio deixou clara a sua posição e a forma como participou ativamente na descoberta da radioatividade além das constantes discriminações que sofreu pela sua vida pessoal e pela condição de ser mulher.
Estando a aproximar-se um dia tão importante para as mulheres, trouxe esta história para que todas nós continuemos o legado deixado por Marie Curie, continuemos a lutar pela igualdade e pelos nossos direitos em diferentes áreas. Em 2020, Portugal tinha 52% de mulheres cientistas e engenheiras, sendo o nosso país uma referência enquanto estado-membro da União Europeia. Segundo os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), há mais mulheres a estudar as áreas das ciências, tecnologia, engenharia e matemática em Portugal do que homens.[2]
No entanto, estes números não se traduzem de forma expressiva, quando olhamos para os cargos de chefia em laboratórios ou em Centros de Investigação, que são maioritariamente ocupados por homens. As mulheres são permanentemente colocadas em papéis secundários, mesmo que revelem características de liderança. Quando se olha para o número de alunas que estuda ciências e tecnologias em Portugal constatamos que é superior aos números apresentados no Japão. Em Portugal são cerca de 57%, no entanto, estes números não correspondem à igualdade de oportunidades no acesso á carreira e a cargos de chefia na área da ciência.
Assim, este ano, quero alertar especialmente para o facto de ainda muito haver por fazer relativamente à paridade de género, não só na área da ciência, mas como em muitas outras áreas que continuam a subsistir desigualdades de géneros e a colocar as mulheres em papeis secundários. Devemos continuar o legado deixado por estas mulheres, como foi o caso de Marie Curie.
Juntos pela igualdade, juntos pelos direitos das mulheres!
Artigo publicado pelo Link to Leaders a 04/03/2024.
[1] Consultado em https://eco.sapo.pt/especiais/ha-cada-vez-mais-mulheres-na-ciencia-mas-ainda-poucas-a-liderar-laboratorios-universidades-e-empresas/
[2] Consultado em https://www.nobelprize.org/prizes/facts/nobel-prize-facts/
Ferreira, J. (2023, 11 de fevereiro). Há cada vez mais mulheres na ciência, mas ainda poucas a liderar laboratórios, universidades e empresas. ECO. Disponível em https://eco.sapo.pt/especiais/ha-cada-vez-mais-mulheres-na-ciencia-mas-ainda-poucas-a-liderar-laboratorios-universidades-e-empresas/
Ferreira, M. (2003). Gender issues related to graduate student attrition in two science departments, International Journal of Science Education, 25(8), 969-989
Margadant, J. B. (1990). Madame le professeur – Women Educators in the Third Republic. Princeton: Princeton University Press
Reis, I. & Derossi, I. (2019). Uma educadora cientifica do século XIX e algumas questões sexistas por ela enfrentadas: Marie Curie superando preconceitos de género. Educación Química. Vol 30(4), 00-00. DOI: 10.22201/fq.18708404e.2019.4.68526